Cobra Grande, 2022
Terra e palha,
68 metros de comprimento
Escultura efêmera
O “correntão” é uma técnica de desmatamento para abertura de grandes clareiras na floresta. Usa-se uma corrente naval presa a dois tratores que arrancam a mata nativa, desenraizando plantas de médio porte para ocupação agrícola. Cria-se um vasto campo retangular que passa a ser ocupado pela monótona e homogênea monocultura ou o pasto para gado.
A obra Cobra Grande reproduz esse instrumento peculiar brasileiro, uma tecnologia que rivaliza com o primitivo fogo. A corrente forma um arco que simula a constrição do empuxo dos tratores, e mimetiza a figura geográfica conhecida como “arco do desmatamento”. Esse último, trata-se da forma que demarca o território no qual há uma ação contínua de redução da floresta amazônica e que cruza mais de cinco estados brasileiros.
A retirada da floresta é um processo relacionado à própria ocupação humana e da agricultura, mas foi a partir da exploração da monocultura desde os tempos coloniais que temos o avanço indiscriminado sobre as florestas no território brasileiro, processo que se encaminha para uma tragédia de proporções globais. A produção agro-exportadora e extrativista chegou a tal ponto que formou-se esse grande espaço gráfico no mapa que distingue o movimento de compressão geográfica na região sudeste e sudoeste da Floresta Amazônica em direção ao epicentro.
Cobra Grande representa esse músculo que comprime a floresta e quer arrancá-la do chão na força da civilização de moldes arcaicos. A corrente feita de barro, é reprodução daquela de ferro, aqui, como no discurso em que as palavras se repetem num outro contexto; o barro é alusão, pois sua essência é outra, é a da cultura que carrega na sua verossimilhança um arbítrio; interferir o mínimo e devolver à terra o instrumento da violência à biodiversidade. O barro tenderá a se dissolver e não afetará o jardim, nem o solo, apenas servirá de instrumento indutor do contexto histórico da floresta e analítico do movimento social.
Os elos formados por barro feitos de adobe, uma antiga técnica usada para construir casas no sertão brasileiro, aqui, no Jardim de Esculturas do MAM - que é composto por esculturas no geral feitas em aço, pedra ou concreto - confere situação crítica à perenidade do museu, a dissolução do arco é o fim da distensão de sua forma e ao mesmo tempo da aculturação de toda a floresta. A linha divisória carrega, portanto, o paradoxo da invasão da cultura em direção ao considerado selvagem, relembrando o ponto de vista civilizatório das instituições sociais e culturais, e sua percepção da dimensão trágica desse movimento expropriatório.
Frederico Filippi põe em movimento o anseio contemporâneo numa busca ética de manifestação, na qual a violência em curso projeta-se como negativo, ou seja, aponta para aquilo que não é mais suportável. Assim, o discurso predatório da floresta como espaço vacante ou mero recurso não pode ser uma miragem da foto no satélite, mas composto por elos de correntes reais.
Pedro Nery
novembro de 2022
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Big Snake, 2021
Earth and straw,
68 meter length
Ephemeral sculpture
The “correntão” [big chaining] is a deforestation technique for opening large clearings in the Amazon forest. A naval chain attached to two tractors is used to pull out the native jungle , uprooting medium-sized plants to allow for agricultural occupation . A vast rectangular field is created and is then occupied by monotonous, homogeneous monoculture farming or by pasture for cattle.
The work “Cobra Grande” [Big Snake] reproduces this peculiar Brazilian instrument, a technology that rivals the primitive fire. The chain forms an arc that simulates the constriction of the tractors’ thrust, and mimics the geographic image known as the “arc of deforestation”. This refers to the shape that demarcates the territory where there is continuous action to reduce the Amazon forest and which crosses more than five Brazilian states.
The removal of the forest is a process related to human occupation and agriculture , but it was from the exploitation of monoculture since colonial times that came the indiscriminate advance on forests in Brazilian territory, a process that is heading towards a tragedy of global proportions . Agro-export and extractive production has reached such a point that this large geographical space has formed on the map, which marks the movement of geographical compression in the southeastern and southwestern part of the Amazon forest toward the epicenter.
“Cobra Grande” represents that force that compresses the forest and wants to pull it out from the ground by the strength of a civilization of archaic ways. Here, the chain made of clay is a reproduction of the iron chain , like in speech from which words repeat in another context. T he clay is alluding b ecause its essence is different; it is of a culture that carries an arbitrariness in its verisimilitude . To intervene as little as possible, to return to the earth an instrument of violence against biodiversity. The clay tends to dissolve and will not affect the garden or the soil, serving only as an inductor instrument of the forest’s historical context and also analytical of the social movement.
The chain links formed by clay, made from adobe ( an ancient technique used to build houses in the Brazilian countryside) in mam’s Sculpture Garden – which is mostly composed of sculptures made of steel, stone or concrete – give a critical situation to the museum’s perenniality: the dissolution of the arc is the end of the distension of its form and of the acculturation of the entire forest at the same time. The dividing line, therefore, carries the paradox of culture invading what is considered wild, recalling a civilizing perspective about social and cultural institutions and its perception of the tragic dimension of this expropriation movement.
Frederico Filippi sets in motion the contemporary yearning in an ethical search for manifestation, in which ongoing violence is projected as negative, that is, he points to what is no longer bearable. Thus, the predatory discourse of the forest as a vacant space or a mere resource must not be a satellite photo mirage, but something consisting of actual chain links.